Em texto anterior explicamos um pouco o objetivo da graça concedida por Deus a nós: a de nos elevar à sua natureza, nos fazendo Seus filhos e participantes de Sua vida trinitária. Uma realidade riquíssima e que supera qualquer outra coisa criada. Para explicar melhor a realidade da graça, a teologia católica, a grosso modo, dividiu-a em dois tipos principais (que, certamente, você já deve ter ouvido falar): a graça santificante e a graça atual.
Qual são as diferenças entre ambas? São muitas e compreendê-las certamente fará muito bem para a nossa vida de oração e de intimidade com Deus.
Graça santificante: Ela é um hábito da alma, infundido por Deus, que nos faz Seus filhos, herdeiros da glória e participantes de Sua natureza divina. Para destrinchar melhor essa definição, vamos separá-la por pontos:
Hábito da alma: a graça altera acidentalmente a alma, o que faz que ela adquira uma qualidade habitual (daí a palavra hábito) tornando-a semelhante a Deus. Esse hábito se enraíza tanto em nossa alma que só podemos perdê-lo com um pecado mortal;
Infundida por Deus: A graça é infundida, isto é, colocada no fundo da alma. Não é algo meramente exterior, como Lutero pregava;
Que nos faz Seus filhos: Ser filho de alguém é ter a mesma natureza e muitas semelhanças com o pai. Nenhum filho é totalmente diferente de seu genitor, há sempre alguma coisa que denuncia a relação de filiação e paternidade entre ambos. Se nos tornamos filhos de Deus pela graça é porque ela nos faz semelhantes a Deus a ponto de podermos ser chamados de seus filhos (Algo maravilhoso, não é mesmo?). Cabe dizer que a nossa filiação é adotiva, pois só somos filhos de Deus quando nos tornamos semelhantes ao seus único filho por natureza, Jesus Cristo.
Herdeiros da glória: A graça santificante é a semente da vida eterna. Se morremos com ela, ela desabrocha na glória e na vida eterna no céu. De certa maneira, aquele que possui a graça santificante já vive um pouco de céu aqui na terra. (Duvidam? Vejam como os santos eram felizes já nesta terra).
Participantes de Sua natureza divina: a graça nos faz participar da vida trinitária de Deus, que é uma vida de amor intenso. Assim, se estamos com ela, nossas boas ações não são meramente humanas, mas se transformam, de certa maneira, em atos do próprio Deus. As nossas ações passam a ter um valor muito maior, pois serão permeadas do amor de Deus.
Graça atual: Ela é um auxílio de Deus transitório e interior, que tem o objetivo de nos levar a realizar atos sobrenaturais. O Teológo Royo Marín usa uma boa analogia: a graça santificante é o motor, aquilo que sem o qual não poderemos ter vida sobrenatural; e a graça atual é a corrente elétrica que faz o motor funcionar.
A graça atual, portanto, é voltada para a graça santificante. Por meio daquela, podemos recuperar a graça santificante perdida, podemos aumentá-la ou mesmo podemos ganhá-la pela primeira vez.
Alguns exemplos reais para esclarecer essas três funções da graça atual (recuperar, aumentar ou ganhar a graça santificante) são úteis:
Recuperar a graça santificante perdida: Digamos que você pecou mortalmente e perdeu a graça santificante. Num primeiro momento, você não se arrepende do que fez e foge do confessionário. Depois de dias do pecado cometido, vem aquele arrependimento que quase o empurra para o confessionário. Esse arrependimento é uma graça atual que fez com que você recuperasse a graça santificante perdida. Atenção: há graças atuais que Deus só manda uma vez e, se não correspondermos a elas, talvez nunca teremos outra chance. Portanto, se veio o arrependimento, corra para o confessionário!
Aumentar a graça santificante: A graça santificante nos é dada como uma pequena sementinha que devemos regar. Há vários modos de fazer isso: pela oração, pelas obras de caridade, pela penitência etc. Vamos dizer que você rezou o terço hoje em estado de graça. Você acha que você o rezou apenas por suas próprias forças? Não! Foi o próprio Deus que concedeu uma graça para que você o rezasse e crescesse em Seu amor. Portanto, sempre podemos crescer em graça. Aproveitemos todas as graças atuais que Deus nos mandar para isso; e
Ganhar a graça santificante pela primeira vez: Digamos que você não é batizado e, subitamente, vem aquele desejo de receber o batismo e tornar-se cristão. Esse desejo, certamente, tem origem numa graça atual enviada por Deus.
Com a diferença bem marcada entre esses dois tipos de graça, trabalhemos agora em aumentar a santificante por meio de todas as atuais que Deus nos concede. Não sejamos ingratos com Aquele que fez tudo isso para a nossa salvação. Em texto subsequente, explicaremos com mais detalhes outra realidade divina inefável: a inabitação da Santíssima Trindade na alma em estado de graça.
Fonte: Ser ou não ser Santo... Eis a questão – Antonio Royo Marin, O.P, Editora Ecclesiae, 2016.