Santa Faustina Kowalska, freira Polonesa, em seu Diário (41), disse que pediu a Deus que lhe enviasse sofrimentos para impedir que a alma de um sacerdote conhecido seu caísse em pecado mortal.
A nossa dificuldade em entender o mal e o sofrimento vem de não refletirmos esse mistério à luz da Graça e do Amor. Nós só podemos entender o mal e a dor verdadeiramente através da superabundância da graça que os supera, pois do contrário caímos nas tentações de justificá-lo com a imaturidade do intelecto (o que não explica psicopatas geniais) ou consequência de estruturas sociais inadequadas (o que não explica as epidemias de suicídios em países desenvolvidos) como nos explica o Catecismo da Igreja Católica (§ 385-387). A humanidade resmunga e se coloca no papel de vítima, pois não pode suportar que ela mesma tenha querido a perversidade e o mal, o homem se impõe uma série de determinismos que não condizem com a gratuidade dos campos de extermínio Nazistas, Soviéticos, Cambojanos ou de qualquer outra cultura. Nossa crueldade tem um grau de refinamento que não pode ser limitado ao DNA ou às estruturas sociais, como por exemplo os jovens na Flórida em 2017, que filmaram um homem se afogando e debocharam dele ao invés de ajudá-lo.
O choque diante do mal pode levar muitos ao desencanto, como Aliosha em Os Irmãos Karamazov de Dostoyevsky, que ficou momentaneamente desnorteado pelo fato de Deus permitir que o cadáver de seu mentor fedesse de maneira tão escandalosa em tão pouco tempo (Padre Zossima, mestre do Karamazov mais jovem, tinha fama de santo). Pode parecer uma superstição cômica para os leitores ateus, mas na verdade essa surpresa é a base da mais forte variante do problema do mal (também chamado de Teodicéia): como Deus pode permitir que coisas ruins aconteçam, especialmente com pessoas boas e inocentes, se ele é Todo Poderoso e todo bom? Para começar a responder essa pergunta vamos apelar para um outro clássico da literatura: A Laranja Mecânica. Se considerarmos que a outra opção de Deus seria impossibilitar o cometimento do mal (pecado), a objeção do Capelão neste livro parece fazer muito sentido: Que valor tem o bem se ele não é livremente escolhido?
Não se trata apenas de um sistema retributivista absurdamente simples do tipo "peque e pague". São João Crisóstomo chama a atenção para a confusão dos discípulos quando, após virem O Mestre curar um paralítico prevenindo-o contra a reincidência no pecado (João 5,14), são confrontados com um cego de nascença (João 9, 1-7). Quem pecou para que ele fosse tão cruelmente punido? Agostinho deixa claro que os apóstolos não foram influenciados pelas "fábulas dos pagãos sobre pecados em vidas anteriores", o que nos fecha um caminho muito popular entre aqueles que buscam respostas fora da Igreja. São Gregório Magno, porém, nos mostra um leque muito mais rico: Além do mal como punição (retratável ou não) existe o mal que previne decadências maiores e existe o mal (como nesse caso bíblico) que é permitido para que as almas redescubram o amor de Deus (lembrem desta última variedade, pois retornaremos a ela em breve).
O padre Adolphe Tanqueray, em seu Compêndio de Teologia Ascética e Mística, nos explica que Deus nos deu a graça de sermos causas secundárias da nossa redenção e da de nossos irmãos pela maneira como suportamos o sofrimento seguindo a Cristo quando tomamos nossa cruz. Ainda, merece destaque no mesmo livro a memória de São Francisco de Sales, que Lendo o livro de Jó, faz questão de sublinhar que Jó recebe tanto a Graça como as desgraças porque "provém do senhor". A Fé de Jó não é uma fé num gênio da lâmpada, ou daqueles que seguiram Jesus porque "comeram pão e se fartaram", a Fé de Jó é uma declaração de Amor, uma relação de amor e intimidade que acolhe aquilo que vem do Amado e suporta todas as provas. Um amor maduro, como diria o Padre Antonio Vieira no Sermão do Mandato, é "amar sabendo": Sabendo das dificuldades e calamidades.
Deus quer elevar o homem decaído (de uma decadência da qual ele mesmo escolheu) para um amor excelente que o leva a morrer por um estranho (como São Maximiliano Kolbe), perdoar seus algozes (como Santa Maria Goretti) e a não ter medo da humilhação que sofre em decorrência da prática do bem em um mundo ímpio e mal (como São Damião de Molokai). O ser humano bate cabeça contra o mal porque ele não é capaz de entender que a única forma de entender o mal é afrontá-lo e submetê-lo por meio da Santidade: tirar suas forças da Eucarista, da Prece, do Silêncio, do Jejum e da Caridade anônima e desinteressada. A caverna do Mistério do Mal precisa ser inundada pela luz do Mistério da Bondade.
Quer saber porque os maus nadam, como diria Camões, em um "mar de contentamentos"? Não se prenda nisto, ao contrário, aprenda com Dimitri Karamazov e Zossima que o mundo sofreria menos se cada um de nós fosse menos miserável e perverso. Quando perguntaram a Chesterton o que havia de errado no mundo, ele respondeu: Eu. Porque ainda buscamos coações externas irresistíveis? Porque ainda apontamos contra Deus por não nos escravizar? Quanto de Bem poderíamos ter feito e não fizemos, nós que supostamente existimos além de qualquer dúvida ou descrença? Como se explica o problema do Bem, diante da nossa iniquidade?