Além dos grandes recursos psicológicos de caráter natural e sobrenatural, podemos aproveitar-nos também, no caminho da nossa santificação, de um auxílio de caráter puramente fisiológico — o nosso próprio temperamento — melhorando suas boas disposições e corrigindo, dentro do possível, os seus defeitos. É claro que isto concorre muito para a nossa santificação, num plano puramente dispositivo e meramente natural, mas não deixa de ter sua importância ao menos negativa, removendo obstáculos —ut removens prohibens.
Vamos, pois, estudar a natureza, classificação e meios de aperfeiçoar o temperamento.
Natureza dos temperamentos
Há uma grande diversidade de opiniões entre os autores sobre a natureza e classificação dos temperamentos. Vamos expor aqui a doutrina mais habitualmente admitida, dando-lhe uma orientação eminentemente prática.
O temperamento é o conjunto de inclinações íntimas que brotam da constituição fisiológica de um homem. É a característica dinâmica de cada indivíduo, que resulta do predomínio fisiológico de um sistema orgânico (sistema nervoso, sistema sanguíneo) ou de um humor (bílis, linfa).
Como se vê por estas noções, o temperamento é algo inato no indivíduo. É a índole natural, ou seja, algo que a natureza nos impõe. Ele nunca desaparece inteiramente: genio y figura hasta la sepultura — gênio e figura permanecem até à sepultura. Mas uma educação oportuna, e sobretudo a força sobrenatural da graça, podem, se não transformá-lo totalmente, ao menos reduzir até o mínimo suas estridências, e ainda suprir ao todo suas manifestações exteriores. É testemunho disso — entre outros mil — São Francisco de Sales, que passou para a posteridade com o nome de “Santo da doçura”, apesar de seu temperamento fortemente colérico.
Classificação dos temperamentos
Depois de mil tentativas e ensaios, os tratadistas modernos voltam à classificação dos antigos clássicos, que parece remontar sua origem ao próprio Hipócrates, maior médico da Antiguidade (460-377 a.C.). Segundo ele, os temperamentos fundamentais são quatro: sanguíneo, melancólico (nervoso), colérico (belicoso) e fleumático, segundo predomine neles a constituição fisiológica que seu mesmo nome indica.
Vamos conhecer as características principais de cada um deles. Mas antes é preciso advertir que nenhum dos temperamentos que vamos descrever existe “quimicamente puro” na realidade. Geralmente apresentam-se mesclados e, além do mais, apresentam graus muito diversos. Assim, os fleumáticos nunca o são no todo, pois encontram-se neles muitos traços de sensibilidade. Os sanguíneos têm, às vezes, qualidades próprias dos melancólicos, etc. Trata-se unicamente de algo predominante na constituição fisiológica de um indivíduo. É preciso levar muito em conta esta observação, ao descobrir alguns traços próprios de um determinado temperamento, para evitar um juízo prematuro, que poderia estar muito longe da realidade objetiva.
Vamos agora à descrição detalhada de cada um deles. Seguimos principalmente Conrado Hock e Guibert. É deles que citamos, às vezes, suas próprias palavras.
Temperamento sanguíneo
Santo Agostinho
Características essenciais com relação à excitabilidade: O sanguíneo se excita fácil e fortemente por qualquer impressão. A reação pode ser também imediata e forte, mas a impressão ou duração pode ser curta. A lembrança de coisas passadas não provoca tão facilmente novas emoções.
Boas qualidades – O sanguíneo é afável e alegre, simpático e prestativo, dócil e submisso para com seus superiores, sincero e espontâneo (às vezes até à inconveniência). É verdade que, ante a injúria, raciocina às vezes violentamente e prorrompe em expressões ofensivas; mas esquece rapidamente tudo, sem guardar rancor de ninguém. Desconhece em absoluto a teimosia e a obstinação. Sacrifica-se com desinteresse. Seu entusiasmo é contagioso e arrebatador. Seu bom coração cativa e apaixona, exercendo uma espécie de sedução em torno de si.
Por ter uma concepção serena da vida, é fundamentalmente otimista, não o arredam as dificuldades, confia sempre no bom êxito. Surpreende-se muito que os outros se incomodem com uma brincadeira pouco agradável, que lhe parece a coisa mais natural e simpática do mundo. Tem grande sentido prático da vida, e é mais inclinado a idealizar do que a criticar.
Dotado de uma exuberante riqueza afetiva, é fácil e ágil para a amizade e se entrega a ela com ardor, às vezes apaixonadamente.
Sua inteligência é viva, rápida, assimila facilmente, mas sem muita profundidade. Dotado de uma memória feliz e uma imaginação ardente, triunfa facilmente na arte, na poesia e na oratória, mas não poderá alcançar a eminência do sábio. Os sanguíneos seriam muito freqüentemente espíritos superiores se tivessem tanta profundidade como sutileza, tanta tenacidade no trabalho como facilidade nas concepções.
Más qualidades – Ao lado dessas boas qualidades, o temperamento sanguíneo apresenta sérios inconvenientes.
Seus principais defeitos são a superficialidade, a inconstância e a sensualidade. A primeira se deve principalmente à rapidez de suas concepções. Julga haver compreendido logo qualquer problema que se lhe ponha na frente, quando na realidade o percebeu tão somente de maneira superficial e incompleta. Daí procedem seus juízos apressados, ligeiros, freqüentemente inexatos, quando não inteiramente falsos. É mais amigo da amplitude fácil e brilhante do que da profundidade.
A inconstância do sanguíneo é fruto da pouca duração de suas impressões. Em um instante passa do riso ao pranto, do gozo delirante a uma negra tristeza. Arrepende-se pronta e verdadeiramente de seus pecados, mas volta a eles na primeira ocasião que se lhe apresente. Os sanguíneos são vítimas da impressão de momento, sucumbem facilmente ante a tentação. São inimigos dos sacrifícios, da abnegação e do esforço duro e contínuo. São preguiçosos no estudo. Torna-se-lhes quase impossível refrear a vista, os ouvidos e a língua. Distraem-se facilmente na oração. A épocas de grande fervor sucedem-se outras de languidez e desalento.
A sensualidade encontra terreno abonado na natureza ardente do sanguíneo. Deixa-se arrastar facilmente pelos prazeres sensuais da gula e da luxúria. Raciocina prontamente contra suas quedas e as deplora com sinceridade. Mas faltam-lhe energia e coragem para dominar a paixão, quando torna a levantar a cabeça.
Educação do sanguíneo – A educação e canalização de qualquer temperamento deve consistir em fomentar suas boas qualidades e em reprimir os defeitos. Por isso, o sanguíneo deverá procurar a sua exuberante vida afetiva numa via nobre e elevada. Se conseguir amar fortemente a Deus, chegará a ser um santo de primeira categoria. Sanguíneos cem por cento foram: o apóstolo São Pedro, Santo Agostinho, Santa Teresa e São Francisco Xavier.
Mas é preciso que lute tenazmente contra seus defeitos, até tê-los completamente a termo. Há de combater sua superficialidade, adquirindo o hábito da reflexão e ponderação em tudo quanto faça. Deve dispor a incidência dos problemas, examinando-os por todos os seus lados, prevendo as dificuldades que poderão surgir, dominando o otimismo demasiado confiante e irreflexivo.
Contra a inconstância, tomará sérias medidas. Não bastarão os propósitos e resoluções, que violará na primeira ocasião que se lhe apresente, apesar de sua sinceridade e boa fé. É preciso pôr sua vontade num plano de vida, convenientemente revisado e aprovado por seu diretor espiritual, o qual esteja todo previsto e assinalado, e que nada se deixe ao arbítrio da sua vontade fraca e caprichosa. Há de praticar seriamente o exame de consciência, aplicando-se fortes penitências pelas transgressões que sejam fruto de sua inconstância e volubilidade. Há de se pôr em mãos de um experiente diretor espiritual e obedecer-lhe em tudo. Na oração, há de lutar contra sua tendência aos consolos sensíveis, perseverando nela apesar da aridez e secura.
À sensualidade, deverá opor-se com uma vigilância constante e uma luta tenaz. Deve fugir, como da peste, de todas as ocasiões perigosas, nas quais sucumbirá facilmente ao se aliar sua sensualidade com sua inconstância. Deve ter particular cuidado na guarda da vista, recordando-se das suas dolorosas experiências. Nele, mais que em ninguém, cumpre-se aquilo de que “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. Deve guardar o recolhimento e praticar a mortificação dos sentidos externos e internos. Deve, enfim, pedir humilde e constantemente a Deus o dom da perfeita pureza de alma e corpo, que só do Céu nos poder vir (Sap. 8,21).
Temperamento melancólico
Santa Teresinha
Características essenciais com relação à excitabilidade: a do nervoso é débil e difícil ao princípio, mas forte e profunda por repetidas impressões. Sua reação apresenta estes mesmos caracteres. Quanto à duração, pode ser larga. O nervoso não esquece facilmente.
Boas qualidades – Os nervosos têm uma sensibilidade menos viva que a dos sanguíneos, mas profunda. São naturalmente inclinados à reflexão, à solidão, ao silêncio, à piedade e vida interior. Compadecem-se facilmente das misérias do próximo, são benfeitores da humanidade, sabem levar a abnegação até o heroísmo, sobretudo ao lado dos enfermos.
Sua inteligência pode ser aguda e profunda, maturando suas idéias com a reflexão e a calma. É pensador, e gosta do silêncio e da solidão. Pode ser um intelectual seco e egoísta, encerrando-se na sua torre de marfim, ou um contemplativo que se ocupe das coisas de Deus e do espírito. Sente atração pela arte e tem aptidão para as ciências.
Seu coração é de uma grande riqueza sentimental. Quando ama, desprende-se dificilmente de suas afeições, porque nele as impressões se arraigam muito profundamente. Sofre com a frieza ou ingratidão. A vontade segue a vicissitude de suas forças físicas: débil e quase nula, quando o trabalho o tenha esgotado; forte e generosa, quando desfruta de saúde ou quando um raio de alegria ilumina seu espírito. É sóbrio e não sente a desordem passional, que tanto atormenta os sanguíneos. É o temperamento oposto ao sanguíneo, como o colérico é oposto ao fleumático.
Foram de temperamento melancólico: o apóstolo São João, São Bernardo, São Luís Gonzaga, Santa Teresinha do Menino Jesus, Pascal.
Más qualidades – O lado desfavorável deste temperamento é a tendência exageradamente afeita à tristeza e à melancolia. Quando recebem alguma forte impressão, ela penetra-lhes profundamente na alma e lhes produz um ferida sangrante. Não possuem o coração na mão, como o sanguíneo, e sim muito no fundo, e aí saboreiam a sós sua amargura. Sentem-se inclinados ao pessimismo, ao ver sempre o lado difícil das coisas, ao exagerar as dificuldades. Isto os torna retraídos e tímidos, propensos à desconfiança em suas próprias forças, ao dasalento, à indecisão, aos escrúpulos e a certa espécie de misantropia.
São irresolutos, por medo de fracassar em suas empresas. O melancólico “nunca sabe acabar”, como dizia Santa Teresa. É o homem das oportunidades perdidas. Enquanto os demais estão do outro lado do rio, ele está pensando e refletindo, sem se atrever a atravessá-lo. Sofrem muito e fazem sofrer aos demais, sem o querer, pois no fundo são bons. Santa Teresa não os julgava aptos à vida religiosa, sobretudo quando a melancolia está arraigada (Cf. Fundações c.7. – Tenha-se em conta que a “melancolia”, sobre a qual havia se pronunciado, refere-se somente ao temperamento nervoso, e não aos extravios de um caráter voluntariamente neurastênico).
Educação do nervoso – O educador haverá de ter muito em conta a forte inclinação do melancólico à concentração sobre si mesmo. Do contrário, se expõe a não compreendê-lo e a tratá-lo com grande injustiça e falta de tato. O sanguíneo é franco e aberto na confissão; o nervoso, pelo contrário, quererá desafogar-se por meio de um colóquio espiritual, mas não pode; o colérico poderá expressar-se, mas não quer; o fleumático não pode nem quer fazê-lo. Há de se ter em conta tudo isto, para não intentar procedimentos educativos contraproducentes.
É preciso infundir no nervoso uma grande confiança em Deus e um sereno otimismo da vida. Deve-se inspirar-lhe uma suma confiança em si mesmo, ou seja, na amplitude de sua alma para as grandes empresas. Tem-se de aproveitar a sua inclinação à reflexão, para fazê-lo compreender que não há motivo algum para ser suscetível, desconfiado e retirado. Se for preciso, deve-se submetê-lo a um regime de repouso e sobrealimentação (Santa Teresa curava muitas monjas melancólicas proibindo a longa oração, as vigílias e jejuns, e “fazendo-as divertir-se” — cf. quarta morada, 3, 12 e 13; Fundações, 6,14). Sobretudo deve-se combater sua indecisão e covardia, fazendo-o tomar resoluções firmes e lançar-se a grandes empresas com ânimo e otimismo.
Temperamento colérico
Santo Inácio de Loyola
Características essenciais com relação à excitabilidade: O colérico se excita pronta e violentamente. Raciocina num instante. Mas a impressão lhe fica na alma por muito tempo.
Boas qualidades – Atividade, entendimento agudo, vontade forte, concentração, constância, magnanimidade, liberalidade. Eis aí as excelentes prendas deste temperamento riquíssimo.
Os coléricos (ou belicosos) são apaixonados e voluntariosos. Práticos, desembaraçados, são mais inclinados a obrar que a pensar. O repouso e a inação repugnam a sua natureza. Sempre estão acariciando o seu espírito com um grande projeto. Apenas acabam de conceber um fim, põem mãos à obra, sem se arredar das dificuldades. Entre eles abundam os chefes, os conquistadores, os grandes apóstolos. São homens de governo. Não são daqueles que deixam para amanhã o que deveriam fazer hoje, antes preferem fazer hoje o que deveriam deixar para amanhã. Se surgem obstáculos e inconvenientes, esforçam-se para os superar e vencer. Apesar de seu ímpeto irascível, quando conseguem reprimi-lo pela virtude, alcançarão uma suavidade e doçura da melhor lei. Tais foram São Jerônimo, Santo Inácio de Loyola e São Francisco de Sales.
Más qualidades – A tenacidade de seu caráter os faz propensos à dureza, obstinação, insensibilidade, ira e orgulho. Se lhes opõem resistência ou os contradizem, tornam-se violentos e cruéis, a menos que a virtude cristã modere suas inclinações. Vencidos, guardam o ódio no seu coração, até que soe a hora da vingança. Geralmente são ambiciosos, e tendem ao mando e à glória. São mais pacientes do que o sanguíneo, mas não conhecem tanto a delicadeza de sentimento. Compreendem menos a dor entre os demais temperamentos, têm em suas relações um tato menos fino.
Suas paixões fortes e impetuosas sufocam essas afeições doces e esses sacrifícios desinteressados que brotam espontaneamente de um coração sensível. Sua febre de atividade e seu ardente desejo de conseguir o que se propõem os faz pisotear violentamente tudo o que os retarda, e aparecem ante os demais como uns egoístas sem coração. Tratam os outros com uma altaneria que pode chegar até à crueldade. Tudo deve curvar-se ante eles. O único direito que reconhecem é a satisfação dos seus apetites e a realização de seus desígnios.
Educação do colérico – Tais homens seriam de um preço inestimável se soubessem dominar-se e governar suas energias. Com relativa facilidade chegariam aos mais altos cumes da perfeição cristã. Muitíssimos santos canonizados pela Igreja possuíam este temperamento. Em suas mãos, as obras mais difíceis chegarão a feliz termo. Por isso, quando conseguem processar sua energia, são tenazes e perseverantes nos caminhos do bem, e não cessam em seus empenhos até alcançar os píncaros mais elevados.
Deve-se aconselhá-los a que sejam donos de si mesmos, que não obrem precipitadamente, que desconfiem de seus primeiros movimentos. Deve-se levá-los à verdadeira humildade de coração, a se compadecerem dos débeis, a não humilhar nem atropelar a ninguém, a não deixar sentir sua violência, sua própria superioridade, a tratar a todos com suavidade e doçura.
Temperamento fleumático
São Tomás de Aquino
Características essenciais com relação à excitabilidade: O fleumático não se excita nunca, ou o faz tão só debilmente. A reação é assim mesmo débil, se é que não chega a faltar por completo. As impressões recebidas desaparecem logo e não deixam vestígios em sua alma.
Boas qualidades – O fleumático trabalha devagar mas assiduamente, contanto que não se exija dele um esforço intelectual demasiadamente grande. Não se irrita facilmente por insultos, fracassos ou enfermidades. Permanece tranqüilo, sossegado, discreto e criterioso. É sóbrio e tem um bom sentido prático da vida. Não conhece as paixões vivas do sanguíneo, nem as profundas do nervoso, nem as ardentes do colérico. Dir-se-ia que carece em absoluto de paixões. Sua linguagem é clara, ordenada, justa, positiva; mais do que brilho, tem energia e atrativo.
O trabalho científico, fruto de uma larga paciência e de investigações conscienciosas, lhe convém melhor que grandes produções originais. O coração é bom, mas parece frio. Falta-lhe entusiasmo e espontaneidade, porque sua natureza é indolente e reservada. É prudente, sensato, reflexivo, obra com segurança, chega aos fins sem violência, porque aparta os obstáculos em lugar de os romper. Às vezes sua inteligência é muito clara. Fisicamente, o fleumático é de rosto amável, de corpo robusto, de andar lento e vagaroso. São Tomás de Aquino possuiu os melhores elementos deste temperamento, levando a cabo um trabalho colossal com serenidade e calma imperturbáveis.
Más qualidades – Sua calma e lentidão lhe faz perder muito boas ocasiões, porque tarda muitíssimo em pôr-se em marcha. Não se interessa nada pelo que se passa fora dele. Vive para si mesmo, em uma espécie de concentração egoísta. Não vale para o mando e o governo. Não é afeiçoado a penitências e mortificações; se é religioso, não abusará dos cilícios. É deles que Santa Teresa descreve com tanta graça: “As penitências que fazem estas almas são concernentes com sua própria vida. Não tenhais medo de que se matem, porque sua razão está muito em si” (Santa Teresa, terceira morada, 2,7). Em casos mais agudos, convertem-se em homens átonos, mortiços e vagos, completamente insensíveis às vozes de ordem que poderiam tirá-los de sua inércia.
Educação do fleumático – Pode-se tirar muito partido do fleumático, se lhe forem incutidas convicções profundas e lhe forem exigidos esforços metódicos e constantes em ordem à perfeição. Lentamente chegará muito longe. Deve-se sacudi-lo de sua inércia e indolência empurrando-o às alturas, acender em seu coração apático a labareda de um grande ideal. Deve-se estimulá-lo ao pleno domínio de si mesmo, excitando-o e pondo em uso suas forças adormecidas; não como ao colérico, que deve obtê-lo contendo-se e moderando-se.
Conclusão geral sobre os temperamentos
Repetimos o que aludimos mais acima: nenhum destes temperamentos existe em estado “quimicamente puro”. O leitor que tenha percorrido estas páginas poderá não ter encontrado em nenhuma delas os traços completos de sua particular fisionomia. A realidade é mais complexa que todas as categorias especulativas. Com freqüência encontramos na prática, reunidos em um só indivíduo, elementos pertencentes aos temperamentos mais díspares. Isto explica, em boa parte, a diversidade de teorias e classificações entre os autores que se preocupam com estas coisas.
Contudo, é indubitável que em cada indivíduo predominam certos traços temperamentais que permitem catalogá-lo, com as devidas reservas e precauções, em algum dos quadros tradicionais. Por outro lado, sem negar a grande influência do temperamento fisiológico sobre o conjunto da psicologia humana, dadas as íntimas relações e interdependências entre a alma e o corpo, não devemos conceder-lhe uma importância exagerada — sobretudo no que diz respeito à moralidade de atos —, à maneira de certos racionalistas, que atribuem ao temperamento nativo a responsabilidade única de nossas desordens.
O temperamento ideal
Menino Jesus – Fra Angelico
Se quisermos estabelecer, em sintética visão de conjunto, as características do temperamento ideal, tomaríamos algo de cada um que acabamos de descrever. Ao sanguíneo, pediríamos sua simpatia, seu grande coração e sua vivacidade; ao nervoso, a profundidade e a delicadeza de sentimentos; ao colérico, sua atividade inesgotável e sua tenacidade; ao fleumático, o domínio de si mesmo, a prudência e a perseverança.
Conseguir pelo esforço sistemático e inteligente este ideal humano, que a natureza não pode conceder a quase ninguém, conduz à difícil empresa do aperfeiçoamento e melhora do próprio temperamento, juntamente com o rude trabalho da formação do caráter.
(Padre Antonio Royo Marín, “Teología de la perfección cristiana – BAC, Madrid, 1958)