A filósofa soviética emigrada para os Estados Unidos, Ayn Rand, sustentava sua defesa do aborto com base em um raciocínio muito simples: "Fetos não são vivos, mulheres são vivas, logo o direito de um ser real deve sempre se sobrepor a um ser potencial". Porém, impõe-se a pergunta: se o feto não é um ser humano, o que ele (ou ela) é? Quando passa a ser humano? Sustentamos que o ser humano o é desde a concepção, e que merece proteção como em todos os demais estágios da vida.
Escritor e apologeta do Ateísmo, Christopher Hitchens (The Portable Atheist, God is not Great e Monarchy: A Critique of Britains favourite fetish) disse que as descobertas da embriologia confirmam a ideia inata de criação não nascida. Amplamente, de forma consciente e ativa as primeiras feministas foram contrárias a essa prática: Sarah F. Norton declarava seu choque pelo despudor com o qual o fetocídio (palavra usada por ela) era propangandeado e praticado em sua época (século 19), Elizabeth Cady Stanton (mãe de sete filhos) tratava do aborto como uma opressão a mulher (não empoderamento), Mary Wollstonecraft (novelista mãe de Mary Shelley) denunciava o aborto como sintoma do mal tratamento dado às mulheres na sociedade. Em pesquisa realizada pelo The New York Times em 2015 foi constatado que tanto contra como a favor do aborto, as mulheres são o segmento mais fortemente comprometido com ambos os ideais (o que contraria a expectativa de uma guerra de sexos).
Noções como as propagadas pela antropóloga e ativista Débora Diniz (durante o debate promovido pela revista AZMina), de que expelir o feto para fora do útero seja similar a ejaculação ou a menstruação, pedem a resposta da embriologia: a união dos núcleos haplóides (23 cromossomos) do espermatozóide e do óvulo produz uma nova célula diplóide (46 cromossomos) conhecida como zigoto que, diferentemente das células expelidas nesses processos biológicos, já contém toda a informação genética do ser humano sendo que nenhuma informação genética nova será acrescentada. Igualmente, a expressão "amontoado de células", jogada a torto e a direito dentro deste debate, é enganosa por pressupor uma desorganização que não se verifica na prática.
Jerôme Lejeune, descobridor da origem cromossômica da Síndrome de Down, afirmou categoricamente que um estudante que não soubesse reconhecer (ainda no estágio de mórula no microscópio) o número, o padrão das bandas genéticas e diferencia-las de um chimpanzé deveria ser reprovado no ato. Peter Singer, filósofo apologeta do aborto e do infanticídio, alega que em função de uma falta de desenvolvimento (ou danos) no sistema nervoso e do tronco encefálico, a vida de um feto (dos deficientes, dos senis e dos comatosos também), seria menos digna que a de um chimpanzé. Essa diferença de opiniões (para falar de maneira benévola ao senhor Singer) se deve ao fato de que ele (assim como John Locke) partilham da opinião de que podem existir humanos não pessoas (e no caso do Singer pessoas não humanas). Francisco Razzo alerta contra definições de pessoa que dependem antes do reconhecimento arbitrário de terceiros do que de uma constatação ontológica. Um dos exemplos que ilustra isso muito bem é a defesa do teólogo abortista Leonardo Boff, que reconhece como pessoas aqueles que podem "participar da vida social". Quem define isso? Qual o contra argumento que se pode opor ao arbítrio dos "mais participantes"?
Norberto Bobbio, jusfilósofo socialista liberal conhecido pelo seu caráter laico, dizia que fica "estupefato que se deixe aos crentes o privilégio e a honra de se afirmar que não se deve matar". Bobbio argumenta que do direito à vida derivam os demais direitos, e isso não pode ser ignorado ao se sopesar os direitos do nascituro com os da mãe e os da sociedade (os segundos são apenas derivados do direito a vida). A professora Amy L. Wax da universidade de Pensilvânia também explora a repercussão do aborto na sociedade, do ponto de vista do pagamento de pensão. Wax chama a atenção que o grau de proteção dado pelas leis às mães e aos filhos aumenta enquanto o número de crianças atendidas diminui. O homem não pode por ato unilateral de vontade desistir de prover para a criança, visto que participou de sua concepção. Tratar o homem como um estranho a concepção e ao destino da criança é prejudicar a base moral que obriga o homem a ser responsável pelo provimento de bem estar pela pensão, é focar em um plano abstrato e esquecer das relações humanas.
Para encerrar, gostariamos de deixar os leitores com as impressões da ativista pró-vida nigeriana Obianuju Ekeocha. Ela chama a atenção pelo fato de tanto países "amantes da paz" inundarem a África com dinheiro para financiar o aborto e sua legitimação "atacando a vida em seu momento mais frágil", mas deixarem projetos de desenvolvimento e cuidado pré-natal secarem e morrerem. Trata-se, segundo ela, de um colonialismo contrário aos valores africanos partilhados por praticamente todas as tribos e culturas. Em uma conhecida peça de Bertold Brecht (a lição de Baden-baden sobre o acordo), três palhaços se dispõe a ajudar um personagem (Sr. Schimitt) que sofre diversas dores pelo corpo; Os palhaços amputam diversos pedaços do auxiliado até arrancarem fora a sua cabeça. A peça de Brecht discute a capacidade do homem de ajudar o seu semelhante. Déjà vu?